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A (in)evitável vitória da fome sobre a Operação Resgate

Resistência de zungueiros, motoqueiros, kinguilas e outros continua apesar da pressão



Corrida daqui. Corrida dali. Um fogem dai. Outra volta aqui. Recolha obrigatória das senhoras com bebes e bacias de produtos ao colo. O corre-corre parece mais brincadeira de rato e de gato, numa casa desgovernada, digna de longa-metragem de desenhos animados. 

Esta é a rotina diária na cidade onde vivo e, acredito também que é assim, noutras metrópoles angolanas, desde o lançamento da urgente e mediática "operação resgate".

O cenário tornou-se engraçado e até mesmo preocupante, tanto quanto absurdo para os mais atentos observadores desta autêntica corrida de "ratos fugitivos" que buscam pelo queijo, sob pressão de "gatos predadores".

Todos dias carrinhas lotadas de fiscais e agentes de Polícia Nacional caçam e recolhem produtos, sobretudo de zungueiras, com o propósito de proibi-los de vender nas ruas.

Quando os homens de coletes e boinas azuis passam cria-se o caos entre zungueiras que fogem descontroladas sem medir o risco de atropelamento e instala-se uma ordem momentânea e ilusória... Mas quando os primeiros se retiram, elas voltam à mesma. É assim todos dias, semanas e meses, até em breve contarmos anos. 

Está difícil para quem governa e manda impor à ordem, na mesma medida em que se torna impossível para quem deveria cumprir. Tudo porque está dificílimo perceber que as zungueiras temem em arredar os pés, ou seja, as bacias de frutas, roupas e outros produtos, por uma razão sobejamente conhecida e/mas intencionalmente ignorada: a fome. 

Indubitavelmente, esta é, a par da herdada Crise de Valores, a causa da resistência de zungueiras e motoqueiros em qualquer esquina e em contramão. Sobressai o esforço para esvaziar as ruas do que para encher as barrigas vazias de pessoas que buscam sustento nas avenidas.

A fome é a razão-mãe do finca pé das zungueiras, motoqueiros, intermediários e outros à "Operação resgate". Se o diagnóstico do problema fosse, previamente, feito a estratégia de actuação para "a correção do que está mal" seria "bem melhor", talvez com soluções eficazes. 

Transcorrido alguns dias, a “operação”, no caso de pessoas que lutam pela sobrevivência, começa a levantar interrogações porque os bisturis desafiados insistem em cortar os efeitos ao invés de atacar as causas.

Onde estavam os pensadores, os estrategas, os sociólogos, os politólogos, os economistas, os psicólogos enfim… os especialistas e detentores da inteligência nacional quando a “operação resgate” foi concebida e dada a luz às pressas? Será que foi pela urgência de mostrar trabalho, por distração ou por desconhecimento da realidade socioeconómica da maioria da população? 

Haja lucidez para compreender que as pessoas zungam nas ruas porque pretendem, pura e simplesmente, caçar uma refeição diária para si e para os seus. Tão básico quanto isso. Não se deve combater a fome das pessoas com a fome urgente de impor ordem. 

O resgate eficaz, certamente, acontecerá quando a operação assentar em estratégias eficientes, capazes de resgatar as pessoas da fome, da miséria e da pobreza extrema. Do contrário, continuaremos a assistir a corrida de rato e de gato que até descredibiliza os operativos da (de)ordem e, por extensão, a governação. 

A fome tem força e move qualquer progenitor para lutar pela sobrevivência. Por isso, não é preciso ser vidente para prever que a resistência de gente faminta aos porretes vai perdurar, por muito tempo e, não tarda, será declarada a vitória da fome sobre a "operação resgate".